sábado, 25 de maio de 2013

A Hora do Show 
Uma leitura do hit de sucesso de Mc Anitta
Por todos os cantos, perpassando todas as faixas da juventude carioca, o sucesso Show das Poderosas de Mc Anitta, se espalha e se consolida como a nova febre de expansão do Funk carioca, ainda que seja na variante do Funk Melody. Sendo ao mesmo tempo magia da palavra e do corpo, que independente dos preconceitos que por vezes carrega dentro de si, e dos preconceitos dirigidos contra ele, por sua origem majoritariamente negra e do espaço da favela, o Funk se irradia sempre de uma maneira incontrolável e imprevisível: entre as classes, inclusive naquelas que a princípio lhe pregavam ódio, e no mercado, que sempre tenta tirar o máximo da seiva do sucesso antes que a explosão acabe.
 O hit da “nova Beyouncé do Funk” tem justamente essa característica, além de dar novo fôlego a uma importante questão trazida já antes por outras Mcs, só que agora com mais propriedade, por conter, diferentemente de suas predecessoras, menos apelo à sexualidade. Isso potencializou o sucesso de Mc Anitta: tirar o foco da questão da sexualidade para o domínio de seu corpo e da sua dança na realização estética do Funk e da autoridade de sua própria palavra. Nesse foco, podemos encontrar uma das questões colocadas pelo filósofo e esteta Jacques Rancière para a Arte na contemporaneidade, no regime que chama partilha do sensível: é a visibilidade de maneiras de fazer e de ser, seja por meio da palavra, seja por meio do corpo, ou de ambos, como fazem o Teatro, por exemplo, e o Funk. A biografia oferecida pela própria artista, que ainda nem completara seus vinte anos, é ilustrativa da filosofia que o Funk carioca, apesar de todo machismo apregoado por certos Mcs, oferece às mulheres de uma forma geral:
“Eu nunca fui a menina mais amada do colégio, mas sem dúvida a mais polêmica. Sempre amei aparecer... Mas aí eu resolvi ser funkeira. Embora eu seeeeeeeeeempre tenha sido muito namoradeira e adorasse paquerar os garotinhos do colégio, no baile funk era diferente...eu ia única e exclusivamente pra rebolar a poupança. Muita água e estiramentos na coxa. Ao lado do gato do meu irmão rs claro, que assegurava que nenhum engraçadinho chegasse perto enquanto eu tava lá mega concentrada no meu ritual da dança.”
Nessa declaração vemos duas posições muito reveladoras: a primeira, do seu desejo de “aparecer”, é esse espaço aberto pelo Funk como aquele regime explicado por Rancière, a partilha da visibilidade de modos de ser e fazer, na combinação dialética de tornar algo comum a todos ao mesmo tempo em que se recebe o seu “quinhão”, a sua parte da partilha. A segunda coisa que sobressalta, e que mais causa polêmica nos círculos de discussão feminista sobre o Funk é a questão da possibilidade de ser um espaço privilegiado de libertação da mulher. Como se vê na declaração de Anitta, o contexto machista do baile era um empecilho a essa liberdade, por isso o irmão é usado como guarda-costas, a fim de que ela possa exercer a plenitude de sua exposição, ou em suas palavras, de seu “ritual”. Essa filosofia se evidencia principalmente em seu hit o Show das poderosas, a visibilidade do ser e fazer da mulher no espaço do baile funk, a chave do sucesso da música. O espaço do Funk não é apenas, como acaba sendo exclusivamente para os homens, lugar oportuno para exercer a sexualidade, algo muito mais complicado, historicamente, para as mulheres. Não, ele passa a ser o espaço do “show”, o lugar da exibição, ambiente de partilha de existências. As poderosas são aquelas que, como ela, chegam ao baile emancipadas da teia da necessidade de realização amorosa-sexual armada especialmente pela vontade masculina, na qual estão emaranhadas as “fogosas” e “invejosas”. Arrebentando essa teia, elas tomam toda atenção, dos homens principalmente, que apenas poderão, no decorrer da noite, ficar “babando” diante de seu triunfo.  É o “exército” que por fim acaba por retirar o “poder” naquele espaço de seus habituais generais,  contra todo contexto e predominância da vontade masculina.
Por isso, a letra da música se inicia com uma imagética de suspensão (Prepara), de alternância de um ambiente para outro (que agora é hora/ do Show das poderosas). É o anúncio de um novo momento, uma revolução já iniciada antes, como já foi dito, por outras Mcs, que agora toma mais “corpo”, em todos os sentidos, com o hit da simpática morena de Honório Gurgel, representante mais que legitima de um público tradicionalmente sem voz e sem visibilidade na grande mídia. Anitta, antes do sucesso, era Larissa, mais uma menina negra da periferia com sonhos de estrela que a sociedade do espetáculo reserva para as Xuxas e Angélicas. 

Uma revolução cultural portanto, na superação de algumas contradições racistas e machistas da sociedade, que espero eu, ainda deve seguir o seu curso.

  
 M.S.Netto